Presente Inesperado
Quando o dia amanheceu, soube que ia ser o pior da minha
vida.
Fechei os olhos para dormir mais um pouco e não ser obrigado
a ver a neve lá fora, as luzinhas festivas a iluminar o pátio do jardim
esbranquiçado, os meus familiares a brincarem na neve, entre gargalhadas,
cânticos de Natal irritantes e quedas perigosas, que provocariam feridas que eu
mais tarde, estava certo, teria de lamber.
Oh, como eu detestava o Natal! Não queria vê-lo tão cedo e
tão de perto, nem sequer de longe. Sim, eu fechava os olhos e tapava os
ouvidos, mas a realidade de que um curto ano tinha passado e de que era Natal
outra vez impunha-se em cada pensamento e dava-me a impressão de que o pesadelo
tomava proporções ainda mais gigantescas, quando a escuridão se apoderava das
minhas pálpebras. Então virei-me para o lado direito na cama, depois para o
esquerdo e por fim deitei-me de barriga para cima. Suspirei e abri os olhos
outra vez, vendo a minha respiração entrecortada ter efeitos oscilantes na
minha barriga peluda.
Caramba, estava a ficar barrigudo! E este dia de Natal ia
contribuir ainda mais para o enchimento dos meus pneus. Não que os meus
familiares permitissem que eu comesse tais coisas, como fatias douradas cheias
de óleo, taças de arroz doce e outras iguarias como … oh não, não podia nem
pensar em quadradinhos de chocolate, os mesmos quadradinhos que sabia estarem
ao meu alcance, lá em baixo, na mesa já enfeitada da sala de jantar. Sabia bem
o mal que me podiam fazer. Da última vez…
- Ai! – exclamei, quando senti o meu pequeno corpinho embater
fortemente no chão de madeira do quarto, depois de ter rolado e rolado na cama
até cair, distraído com os meus pensamentos.
Sim, pensei, coçando a parte de cima da
minha cabecita. Sem dúvida o pior dia da
minha vida.
Continuava a ouvir músicas de Natal e vozes totalmente
desconexas e desafinadas a cantar lá fora. E agora acrescentava a tudo isto uma
grande dor de cabeça!
Levantei-me e empoleirei-me na janela do quarto para ver o
que se passava no exterior. No meu íntimo, ainda tinha esperança de que não
fosse realmente Natal, de que todas as visões de neve, de luzes e de árvores
enfeitadas não passassem de pesadelos, como todos aqueles que eu tinha ao longo
do ano. Mas não. Estava frio e nevava mais uma vez, como era hábito nesta
altura do ano, em Fafe, havia muitas casas iluminadas e enfeitadas nas
redondezas e as crianças brincavam na neve, equipadas com os seus quentes casacos,
gorros, luvas e botas de pele de carneiro.
Sei que já devia estar habituado, mas o Natal deprime-me
sempre. Nunca tive casacos, nem gorros, luvas ou botas. E pouco brinquei na
neve. Não posso usar sapatos e … bem, não suporto muito bem o frio. Quando vos
contar, vão perceber porquê. Assim que me passar a dor de cabeça. E sei que esta
não perdura agora por efeito da queda, mas das vozes, oh … irritantes vozes! E
embora eu sempre tenha gostado de rock, não suportava mais Bruce Springsteen & E.-Street Band , com o seu Merry Christmas Baby! Ou talvez suportasse, porque o meu rabinho começou
a agitar-se de um lado para o outro sem que eu o tenha ordenado a fazê-lo. Ele
faz sempre isso quando estou alegre e é triste saber que mesmo quando estou em
baixo, o meu rabinho está feliz. Sim, ele é um traidor. Pena é que não o possa
cortar com as minhas próprias mãos! Em poucos minutos também o meu corpinho
peludo se agitava com a música e não consegui evitar começar a cantar também,
contagiado pelos meus donos. Sim, donos. É que sabem … eu sou um cãozinho, essa
é a triste realidade, o meu cantar não passa de um ladrar um tanto incompreensível
para os humanos que me ouvem e aí está o motivo para a minha depressão.
Desencostei
as minhas patinhas da parede e dirigi-me à porta do quarto encostada,
conseguindo abri-la à terceira vez com a ponta do meu nariz humedecido. As
minhas patas nunca foram de grande utilidade. Sempre que tentava abrir portas
com elas, fechava-as. Quanto à neve … esse granizo empastado de que os humanos
gostam é fria demais para mim. As almofadas que revestem as minhas patas e que
me protegem dos pisos incertos, lamacentos, frios ou quentes, não são tão
resistentes quanto podem pensar e queixam-se quando em contacto com o gelo. E
tudo bem, confesso, já usei casaquinhos. Tenho-os de todas as cores e feitios
para os meus passeios matinais e nocturnos, domingais ou festivos, durante o
Inverno, mas nunca serão iguais aos dos meus donos, nem eu poderei andar lá
fora despreocupado, com este frio.
- Vamos levá-lo para dentro. Está a
tremer. Coitadinho! – disse a minha dona Emília, comigo ao colo, no primeiro
Natal em que tentou levar-me lá fora.
Andei e corri contente pela neve
durante algum tempo, grato pelos momentos de liberdade cedidos, mas em poucos
minutos não podia mexer-me. Tinha as patas geladas e petrificadas e tremia,
quando a minha dona me pegou ao colo.
- O Simão não pode andar cá fora.
Não foi coisa que não te dissesse – avisou Francisco, o chefe de família,
enquanto me observava nos olhos com uma expressão estranha, como um médico a
examinar-me.
Eu queria parar de tremer. Até
ordenei ao meu rabo que começasse a agitar-se fortemente de alegria, mas ele
não me deu ouvidos e continuava murcho como um carapau morto. Comecei então a
fazer-me ouvir através da minha voz. Tudo o que disse foi:
- Não se preocupem comigo! Eu sou
forte. Isto já passa. É uma questão de hábito. Por favor, donos, ponham-me no
chão!
Ao que Francisco respondeu:
- Está bem, está bem, vamos
levar-te para dentro, pequeno – enquanto me coçava a cabeça.
Recomecei a ladrar, protestando que
não fora isso o que tinha dito, mas a dona Emília só soube dirigir-se comigo
para a porta da entrada, a passos largos, sussurrando-me aos ouvidos, enquanto
me pegava nas patas:
- Desculpa, Simão. Tens as patinhas
geladas. Não tens sapatinhos como nós, não é? – e pousou-me no piso da entrada
da casa, enquanto me tirava o casaco, sempre difícil de entrar e de sair,
porque as minhas patas ficavam presas nas finas aberturas para as mangas. – Fica
quentinho perto da lareira, está bem? Nós não demoramos – e fechou a porta à
minha frente, deixando-me só.
Passei
por entre a brecha da porta aberta e caminhei até ao corredor, que dava acesso
ao quarto dos meninos da casa, os dois filhos da dona Emília e do sr.
Francisco, Nádia e Pedro. Detive-me a olhar para os seus quartos vazios e
depois deitei-me junto ao primeiro degrau da escadaria que dava para o andar de
baixo, para a sala de estar e de jantar, com o focinho apoiado nas minhas duas
patas dianteiras, cremes com pequenas manchinhas castanhas.
Bruce Springsteen & E.-Street
Band tinham-se calado e o
meu rabinho já não se agitava de alegria. Tocava agora na aparelhagem Baby Please Come Home, dos U2, e eu senti-me novamente deprimido.
Queria, de facto, que os meus donos regressassem a casa, que a árvore de Natal
não estivesse iluminada e enfeitada no andar de baixo, que o fogo da lareira
não crepitasse tão alto e tão quente e que as iguarias da época não brilhassem
em cima da mesa, todas aquelas coisas que eu sabia não poder comer. Sim, talvez
tenha sido desde o Natal em que fui à força retirado da neve que este passou a
ser o pior dia da minha vida. Sentia-me sempre só e essa solidão não tinha nada
a ver com presentes. Os embrulhos jaziam por abrir debaixo da árvore de Natal e
eu sabia que nenhum deles era para mim, nem o esperava ou desejava. Queria
apenas ser mimado como o era em todos os outros dias do ano, pois neste dia, eu
não era senão desprezado.
Comecei
a lamber a minha pata esquerda para curar as feridas que sentia no meu coração
e tive vontade de chorar. Os meus donos continuavam a rir-se do lado de fora,
eu ouvia a neve a cair no piso outrora esbranquiçado como pedaços de nuvens
caídas e agora sujo de terra pelas botas dos intrusos.
Algo
dentro de mim se agitou e eu levantei-me, erguendo a cabeça. Imediatamente, as
minhas orelhas arrebitaram-se e puseram-se alerta: sim, eu era apenas um
cãozinho abandonado no dia de Natal, mas isso iria mudar. Eu iria atrair a
atenção dos meus donos.
Senti
o meu rabo agitar-se em concordância: pela primeira vez, ambos estávamos do
mesmo lado da batalha. Rodopiei em redor de mim mesmo, satisfeito com a ideia
que tinha tido, e comecei a correr como um louco pela casa, descendo e subindo
as escadas, a cada asneira cometida. Fiz xixi no caixote do lixo da cozinha, lá
em baixo, mais um bocadinho numa das pernas da mesa de jantar, depois subi e
fiz o mesmo na colcha da cama da dona Emília. Não estando satisfeito, fiz
algumas mijinhas no corredor de acesso aos quartos, deixei cair umas pinguinhas
na escadaria e por fim, levantei a pata traseira num derradeiro ataque final:
acho que ainda sorria quando aliviei a bexiga pela última vez num dos
presentes, por baixo da árvore de Natal, sem me importar com o seu destinatário.
Comecei
a dar saltinhos, enquanto o meu rabo se agitava, satisfeito com os resultados
das investidas da minha bexiga à casa, quando por fim, a consciência
arrebatou-me e as orelhas caíram, desamparadas, em cima da minha cabeça. O meu
sorriso desfez-se, os meus olhos inclinaram-se de vergonha para o chão de
madeira e o meu coraçãozinho começou a bater mais depressa.
Olhei
para o caixote do lixo da cozinha, para as pernas da mesa de jantar, para a
escadaria e para o presente ferido com a minha urina e tive novamente vontade
de chorar. Sim, tinha-me vingado dos meus donos e da sua falta de atenção e de
afecto para comigo, mas não me sentia melhor. Pelo contrário. Eles iriam ficar
muito tristes comigo quando vissem aquilo que fiz. Tinham sempre o cuidado de
me levar à rua várias vezes ao dia, esperando que eu aliviasse a minha bexiga e
até muito depois disso, desejando que eu me divertisse, respirando ar puro,
dando uso às minhas jovens e saudáveis patinhas e tentando abater os pneus que
se iam acumulando na minha barriga, fruto do meu sedentarismo. Não, eu não
tinha o direito de urinar a casa toda … muito menos no dia de Natal, quando eu
sabia que os meus donos e sobretudo a dona Emília tinham feito tantos esforços
para ter a casa impecável! Acima de tudo, eu sabia o motivo pelo qual eles não
me deixavam brincar lá fora quando fazia muito frio e nevava. Sabia que só
queriam proteger-me e mesmo assim, fui tão maldoso!
Num
acto de tristeza e de revolta para comigo mesmo, corri em direcção à mesa da
sala de jantar e empoleirei-me, agarrando-me à toalha de mesa e deixando cair,
acidentalmente, um prato ao chão.
-
Simão! – ouvi, aterrorizado, ainda empoleirado na mesa, com a cabecita a
espreitar para a porta do outro lado, para os olhos escuros da dona Emília, que
me fitavam, impiedosos. – O que é que fizeste?
Dei
um salto instintivo para o chão e agachei-me, medroso, baixando as orelhas que
se haviam levantado com o susto e encolhendo-me de tal modo, que desejaria
tornar-me invisível. Os passos da dona Emília fizeram-se ouvir no soalho de
madeira e ela aproximou-se de mim, acocorando-se com uma expressão de fúria no
rosto.
-
O que fizeste, Simão? O que significa este prato partido? – perguntou, apontando
para os pedaços de vidro despedaçados no chão e para as fatias douradas
espalhadas pelo soalho. – Cão mau! – acusou. – E também fizeste xixi! –
constatou, olhando para a perna da mesa e para as escadas a seu lado. – Para que
te levou o Chico à rua de madrugada? Hein? Para quê?
Tentei
expressar-me, ladrando, mas isso só contribuiu para que ela ficasse mais
irritada e ordenou-me, com um dedo apontado ao andar superior, que desaparecesse
da sua vista para ela não me bater.
Escusado
será dizer que fugi com o rabo entre as pernas, receoso que ela descobrisse a
mancha de xixi na colcha dela. Ia matar-me! Quis chorar, porque agora, além de
os meus donos me desprezarem, também me detestavam, mas nunca consegui verter
uma lágrima. Limitei-me a esconder-me no quarto da Nádia, deitar-me ao lado da
cama dela, no chão, e lamber as minhas patas, uma a uma, até que as feridas se
curassem. Não curaram.
O
CD de Natal acabou de tocar, foi colocado outro, ouviram-se mais vozes,
cantorias e gargalhadas e eu continuei escondido, receoso de tudo, vendo pela
janela do quarto da Nádia o pior dia da minha vida passar diante dos meus
olhos. A dona Emília fez nova limpeza à casa, o almoço foi ingerido, o lanche
devorado e o jantar preparado. Fez-se noite e eu não tinha bebido, comido, nem
dormido uma soneca, como era hábito. Sabia que a minha refeição se encontrava
na cozinha, mas não tinha coragem de ir até lá depois do que tinha feito. O
quarto estava escuro, silencioso, e eu chorava por dentro, com as patas
molhadas das minhas lambidelas, as orelhas murchas e o coração ferido.
Sim, sou um cão mau, pensei, amaldiçoando-me. Prometo nunca mais fazer nada semelhante. Nem que a minha bexiga
rebente!
Foi
então que um ladrar incessante no andar de baixo me despertou os sentidos. As minhas
orelhas arrebitaram-se, o nariz torceu-se de um lado para o outro, numa
tentativa de lhe adivinhar o cheiro, e as minhas patas apoiaram-se instintivamente
na cama, enquanto o meu rabinho se agitava de uma alegria sem motivo.
O que se passaria?, pensei. Quem
seria o cãozinho visitante?
Esquecendo-me
do meu castigo, corri em direcção ao corredor e fitei o andar de baixo do cimo
da escadaria, imponente como um rei do alto do seu trono. Sempre achei que o
amor jamais aconteceria para mim, mas a visão que tinha do andar de baixo,
daqueles olhos escuros, do focinho gracioso, das orelhas pequenas e
arrebitadas, das patinhas delicadas, do rabinho também agitado, parou-me o
coração.
-
É lindo, mãe! Lindo, lindo! – gritava Nádia, entusiasmada, pisando
inconscientemente os papéis dos embrulhos espalhados pelo chão, enquanto se
acocorava no soalho de madeira para acariciar, com as mãozinhas pequenas, a
cabecinha do intruso.
-
Linda, filha. É uma ela.
Uma cadela!, pensei.
O
meu faro não podia ter-me enganado. Tinha-o sentido como fogo que me queimava
por dentro. Tocava a música Silent Night
, de Mariah Carey, e eu senti o amor
brotar-me de todos os poros do meu corpinho peludo. Os meus olhos perderam-se
nos círculos escuros da minha amada, que me fitava agora de volta, e tudo o
resto se evaporou: a mesa repleta de iguarias parcialmente devoradas, o
crepitar do fogo da lareira, já escasso, as luzes da árvore de Natal, os
embrulhos rasgados, os presentes espalhados, as vozes dos meus donos e das
crianças, que se difundiam como uma nuvem de fumo.
-
Simão, portaste-te muito mal. Estás de castigo! – vociferou a dona Emília,
também acocorada e fazendo festas à recém-chegada, enquanto me dirigia um olhar
furioso.
Devia estar com ciúmes, pensei.
Ciúmes
por ver todos aqueles que eu amava revoltados comigo e amáveis com uma
cadelinha nova, que ninguém conhecia, quando eu … eu conhecia-os há dois anos!
Dois longos anos de festas, lambidelas, ladrares afectuosos e amor, muito amor,
mas … eles tinham razão por me detestarem e eu estava encantado, delirante,
apaixonado. Parecia-me que todos os sentimentos cruéis que me tinham invadido
nesse dia se haviam desvanecido depois das asneiras que fizera ao longo da
casa.
-
Deixa-o, mãe. Coitadinho! – disse Pedro, que havia feito recentemente dez anos
e já se achava o homenzinho da casa.
Dirigiu-se
à escada e subiu até ao último andar para pegar em mim ao colo, que me
encontrava petrificado. Tinha por hábito ladrar a todas as visitas indesejáveis
e ficar em tal estado hiperactivo que os meus donos tinham de me pregar
valentes sermões, mas aquela cadelinha roubara-me o fôlego, as palavras e até a
energia. Deixei-me pegar ao colo, como um bebé, de olhos fixos na recém-chegada,
até que o Pedro me pousou junto dela.
-
Esta é a Nina – apresentou Nádia, atropelando as palavras com os erros próprios
dos seus três anos.
-
Vai ser tua irmã, Simão – disse o senhor Francisco, sentado no sofá, com o
comando da televisão na mão, pouco interessado na nova inquilina. – Tem a tua
idade, sabias? Adoptámo-la no canil.
Senti
os meus olhos brilharem.
Não, pensei. Não vai
ser minha irmã.
A
Nina fechou e abriu as pálpebras para mim, num olhar sensual, e o meu rabo começou
a agitar-se com uma energia nunca vista.
Ela
tinha o pêlo fino, luzidio e negro como a noite. Era mais pequenina do que eu e
eu sentia-me alto, másculo e protector junto daquela nova fêmea. Sim, tinha de
fazer de tudo para a proteger.
-
Achas que o Simão está doente, mãe? – inquiriu Pedro, baixando-se com as mãos
apoiadas nos joelhos para observar o cão. – Ladra sempre quando vê outros cães.
Não é normal estar tão calado.
-
Deve estar murcho pelo sermão que lhe preguei. Deixa-o, que é merecido!
Ao
ouvir a voz da minha dona, desviei o olhar para Emília e dirigi-me a ela,
inclinando-me para lhe lamber o nariz. Era um gesto de arrependimento, de
perdão, mas sobretudo de agradecimento. A partir deste dia, eu nunca mais
voltaria a passar um Natal sozinho.
Emília
repeliu-me com um gesto de mão.
-
Arghhh! Que nojo! Não me voltes a lamber o nariz, Simão! Não gosto disso! – mas
ao ver a minha expressão lamuriosa, sorriu-me e inclinou-se para mim,
afagando-me as orelhinhas peludas. – Está bem, estás perdoado. Mas só porque é
Natal. Não voltes a fazer uma destas!
Em
resposta, eu ladrei alto e bom som e dei-lhe uma nova lambidela no nariz, pouco
importado com as consequências. O meu rabinho voltou a agitar-se e eu corri
para junto de Nina, pousando uma pata em cima da dela. Comecei a cheirá-la em
todo o lado, enquanto ela se retraía, receosa, e depois lambi-lhe o pelinho
cortado rente, junto da barriga.
Pedro
soltou uma gargalhada e apontou-nos um dedo.
-
Acho que o Simão está apaixonado, mãe.
E
estava. Sabia que Nina não fora um presente para mim, muito menos o merecia,
mas com o tempo, acabaria por ser meu, só meu, e nada mais importaria: nem o
frio, nem a neve lá fora, que nos impossibilitaria de caminhar, nem os cantares
e os embrulhos para outras pessoas. O meu melhor embrulho tinha chegado na
forma de amor e tinha em seu redor uma moldura perfeita, enfeitada não de
bolas, fitas ou estrelas brilhantes, mas de pessoas, uma família que eu amava e
jamais esqueceria. Fosse Natal ou não, este seria, para sempre, o melhor dia da
minha vida.
Sobre a autora
Carina
Rosa nasceu em Lisboa em 1986 e vive no Algarve. Passou grande parte da
sua vida num ginásio e depois de ter integrado, como atleta, nas épocas
de 2002-2004, a Selecção Nacional de Trampolins e Desportos
Acrobáticos, participando em várias competições internacionais,
descobriu na escrita uma outra paixão. Licenciou-se em Ciências da
Comunicação pela Universidade do Algarve e trabalhou em jornalismo de
imprensa, na rádio e televisão online. Mas a ginástica foi sempre a sua
casa e é trabalhando com classes de formação gímnica que passa os seus
dias, como técnica de Ginástica Acrobática. Considera-se uma apaixonada
pelas artes e pela cultura, no geral, estabelecendo uma relação muito
próxima entre a música, a dança e as letras. A escrita é uma paixão que
tomou forma em 2012, ao publicar o seu primeiro romance «O Intruso».
Desde então tem-se dedicado a escrever diversos romances, uns mais
leves, outros com um carácter mais denso, entre histórias contemporâneas
e policiais, os seus géneros favoritos. Gosta de abordar as diversas
relações com um balanço entre o realismo e o drama. Em 2013, deu a
conhecer aos leitores «As Gotas de um Beijo». De momento, está a
trabalhar num romance policial. «A Sombra de um Passado» é a sua
terceira obra publicada.
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