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Opinião
Terra
de Lobos, da autora
húngara Tünde Farrand, é uma distopia situada num futuro não muito distante. Depois de Vox senti algum
fascínio por
este tipo de distopias e a curiosidade impulsionou esta leitura.
A narrativa é feita em dois tempos, presente e
passado da nossa protagonista Alice, e leva-nos numa descoberta fascinante por um mundo tão surpreendente como absurdo. Não conseguimos perceber muito bem como se deram
as mudanças que levaram a transformar o que conhecemos hoje numa sociedade
altamente capitalista e sem qualquer respeito ou consideração pela vida humana.
Uma sociedade dividida hierarquicamente e onde as pessoas trabalham para
conquistar o Direito de Residência (as casas são gratuitas mas não são fixas,
dependendo do agregado familiar e dos ganhos poderão mudar de casa quando
necessário) e alcançar um dos patamares de Consumidor, Pequeno, Médio ou
Grande. Existem ainda os Proprietários, que são os privilegiados e os únicos
com bens imóveis, esta é uma minoria muito mais complexa do que poderemos
imaginar e só vamos descobrir a realidade sobre o seu estilo de vida já perto
do fim.
Alice conduz-nos pela vida de um Consumidor
Médio, mostrando-nos como é que o consumismo determina
o seu escalão e como o sistema negligencia ou ignora doentes, idosos ou
pobres.
Julgo que o que poderá impressionar mais
facilmente o leitor são os Dignitorium, que são instalações para onde as
pessoas (geralmente idosos) que ao não poderem continuar a contribuir para a
sociedade vão. É uma reforma curta, dura 9 meses onde têm acesso a todos os
luxos e imenso acompanhamento e posteriormente serão eutanasiados. Estas
instalações causaram-me algum horror porque se considera que os velhos não têm
utilidade e devem morrer. Não vale a pena embelezar o que é um Dignitorium que
de digno não tem nada ao matar pessoas em massa.
A protagonista vai ao longo do livro tentar
descobrir o que aconteceu ao marido e entra numa espiral depressiva, isto vai
influenciar a sua visão do que ela achava ser uma sociedade perfeitamente
equilibrada, começando a aperceber-se das falhas e da falta de apoio que as
pessoas têm. É nas analepses, que teremos acesso a informações cruciais sobre a
sua família, a irmã mais velha, Sofia, que considero até ao final uma
personagem muito interessante, os pais e o marido.
Este livro é uma grande crítica à nossa
sociedade actual, veremos a autora focar-se na forma como os idosos são
tratados em lares, as doenças a debilidade, as baixas reformas. Também os
doentes são vistos quase como parasitas, quem não tem dinheiro para pagar
tratamentos acaba na Zona (locais para onde vão as pessoas sem rendimentos que
vivem em casas degradada fora das megacidades).
O final acaba por ficar em aberto, o que não
me agradou totalmente, julgo que com mais algumas páginas o leitor teria
fechado algumas questões que ficaram por responder. Algo que notei de início é
a ausência de uma milícia, de rebeldes que lutam contra o sistema e que tentam
derrubar o governo. Parece não existir uma necessidade de mudança na grande
maioria da população.
É um livro excelentemente escrito, quando não
o estamos a ler estamos a pensar sobre o que lemos, que nos leva a reflectir
sobre as baixas reformas, falta de condições para acolher e cuidar com
dignidade os nossos idosos, a falta de assistência médica ou os altos custos
que intervenções médicas podem custar, e ainda sobre a forma como nos estamos a
transformar numa sociedade cada vez mais consumista, em que mais do que as
relações humanas é o que se adquire que conta. Por último, leva ainda a uma
reflexão sobre os relacionamentos pessoais, a forma como as diferentes classes
sociais levam a que sejamos (dependendo de onde nos inserirmos) mais ou menos
visíveis e a facilidade com que se "descartam" pessoas que
supostamente se tem uma relação de amizade.
Vera C.
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