Literatura | Opinião do livro 'Terra de Lobos' de Tünde Farrand

By Vera Carregueira - 15:44

leiam a sinopse AQUI
Opinião
Terra de Lobos, da autora húngara Tünde Farrand, é uma distopia situada num futuro não muito distante. Depois de Vox senti algum fascínio por este tipo de distopias e a curiosidade impulsionou esta leitura. 

A narrativa é feita em dois tempos, presente e passado da nossa protagonista Alice, e leva-nos numa descoberta  fascinante por um mundo tão surpreendente como absurdo. Não conseguimos perceber muito bem como se deram as mudanças que levaram a transformar o que conhecemos hoje numa sociedade altamente capitalista e sem qualquer respeito ou consideração pela vida humana. Uma sociedade dividida hierarquicamente e onde as pessoas trabalham para conquistar o Direito de Residência (as casas são gratuitas mas não são fixas, dependendo do agregado familiar e dos ganhos poderão mudar de casa quando necessário) e alcançar um dos patamares de Consumidor, Pequeno, Médio ou Grande. Existem ainda os Proprietários, que são os privilegiados e os únicos com bens imóveis, esta é uma minoria muito mais complexa do que poderemos imaginar e só vamos descobrir a realidade sobre o seu estilo de vida já perto do fim.

Alice conduz-nos pela vida de um Consumidor Médio, mostrando-nos como é que o consumismo  determina o seu escalão e como o sistema negligencia ou ignora doentes, idosos ou pobres.

Julgo que o que poderá impressionar mais facilmente o leitor são os Dignitorium, que são instalações para onde as pessoas (geralmente idosos) que ao não poderem continuar a contribuir para a sociedade vão. É uma reforma curta, dura 9 meses onde têm acesso a todos os luxos e imenso acompanhamento e posteriormente serão eutanasiados. Estas instalações causaram-me algum horror porque se considera que os velhos não têm utilidade e devem morrer. Não vale a pena embelezar o que é um Dignitorium que de digno não tem nada ao matar pessoas em massa.

A protagonista vai ao longo do livro tentar descobrir o que aconteceu ao marido e entra numa espiral depressiva, isto vai influenciar a sua visão do que ela achava ser uma sociedade perfeitamente equilibrada, começando a aperceber-se das falhas e da falta de apoio que as pessoas têm. É nas analepses, que teremos acesso a informações cruciais sobre a sua família, a irmã mais velha, Sofia, que considero até ao final uma personagem muito interessante, os pais e o marido. 

Este livro é uma grande crítica à nossa sociedade actual, veremos a autora focar-se na forma como os idosos são tratados em lares, as doenças a debilidade, as baixas reformas. Também os doentes são vistos quase como parasitas, quem não tem dinheiro para pagar tratamentos acaba na Zona (locais para onde vão as pessoas sem rendimentos que vivem em casas degradada fora das megacidades).

O final acaba por ficar em aberto, o que não me agradou totalmente, julgo que com mais algumas páginas o leitor teria fechado algumas questões que ficaram por responder. Algo que notei de início é a ausência de uma milícia, de rebeldes que lutam contra o sistema e que tentam derrubar o governo. Parece não existir uma necessidade de mudança na grande maioria da população.


É um livro excelentemente escrito, quando não o estamos a ler estamos a pensar sobre o que lemos, que nos leva a reflectir sobre as baixas reformas, falta de condições para acolher e cuidar com dignidade os nossos idosos, a falta de assistência médica ou os altos custos que intervenções médicas podem custar, e ainda sobre a forma como nos estamos a transformar numa sociedade cada vez mais consumista, em que mais do que as relações humanas é o que se adquire que conta. Por último, leva ainda a uma reflexão sobre os relacionamentos pessoais, a forma como as diferentes classes sociais levam a que sejamos (dependendo de onde nos inserirmos) mais ou menos visíveis e a facilidade com que se "descartam" pessoas que supostamente se tem uma relação de amizade.
Vera C.

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