Autor: Kelly Thompson
Artista: Sophie
Campbell e M. Victoria Robado (cores)
Editora: IDW
Data de Publicação: 27
Outubro 2015
Cópia fornecida pela
editora para efeitos de review.
Review da versão em língua inglesa.
Review da versão em língua inglesa.
Com o Secret Agent Month a bem que em
pausa devido a motivos de força maior (prometo que recomeço assim que puder!),
vim trazer, em jeito de desculpas, esta rápida opinião sobre uma novidade de
BD.
Crónicas
de uma Leitora… de BD
Num mundo de banda desenhada que ainda
está virado sobretudo para os leitores masculinos, é interessante encontrar um
lançamento onde as protagonistas e a vasta maioria do elenco não só são
mulheres, mas são mulheres normais, sem serem mega badasses estilo Lara Croft,
Shi ou Vampirella. Não, não vou começar um monólogo da vagina aqui sobre a
falta e má representação das mulheres nos comics (guardo isso para outro dia).
O que me intrigou nesta Graphic Novel foi como uma história centrada em protagonistas femininas e virada sobretudo para as mulheres (caso não tenham topado pela quantidade
de cor-de-rosa com que estão a levar), conseguiu ser aprovada para publicação
por uma editora não-indie.
Jem
e as Hologramas
Para quem não sabe o que é, a “Jem and the Holograms” era o que eu
chamo “Série de Anúncios Animados”
dos anos 80. Esta série apareceu numa altura em que haviam leis nos Estados
Unidos a restringir fortemente a publicidade de brinquedos a crianças – as
corporações deram a volta a isso, criando séries de desenhos animados que,
basicamente, funcionavam como anúncios aos brinquedos que tinham para vender.
Imagem publicitária da série original |
Fica desde já aqui um segredo para quem era fã dos desenhos animados dos Transformers e ficou traumatizado com a
morte do Optimus Prime no filme (o de desenhos animados, não do Michael Bay):
foi tudo porque a Hasbro queria introduzir uma nova linha de Transformers e precisava de retirar os
Autobots antigos da série. Capitalismo, minha gente! Nada como traumatizar
criancinhas por diversão e lucro.
Jem and
the Holograms tinha um objetivo semelhante – mas apontado às raparigas.
Felizmente, ninguém tinha que morrer para se venderem bonecas novas: a Jem e as
Holograms mudavam de visual de forma dramática durante a série, e novas
personagens e bandas eram introduzidas a cada poucos episódios.
A série durou 60 e pouco episódios,
distribuídos por 3 temporadas, e nunca teve a popularidade dos Transformers, logo foi rapidamente
esquecida – há rumores que passou em Portugal no Canal Panda nos inícios da
televisão por cabo (coisa que nunca tive porque o meu pai não gostava de
pagamentos mensais, e levamos com satélite que nos lixamos), logo, todos os (poucos) episódios que vi foram online e quando já era crescidinha. No entanto, sempre foi um sucesso underground, com grupos
de fãs altamente devotados. Eu culpo a estupidamente viciante música do
genérico.
A sério, ouçam isto e digam-me se não ficam com o raio da música na cabeça o resto do dia. Especialmente a parte das Misfits...
Lacinhos
Cor-de-Rock
Inspirados pelo aparecer da MTV e pelas Magical Girls do anime que começavam a serem populares na altura, Jem and the Holograms segue as aventuras de Jerrica Benson e o seu alter-ego “Jem”. Qual Hannah Montana, Jerrica é uma rapariga normal que, com a ajuda do supercomputador Synergy e dois projetores holográficos escondidos nos seus brincos (ei, não sou eu que invento estas coisas), se transforma na super-estrela musical Jem ao gritar "It's showtime, Synergy!" Pelo caminho enfrenta outras bandas, como as suas némesis, The Misfits, que, convenhamos, fazem trinta por uma linha e, se isto fosse o mundo real, já tinham levado com um processo e acabado em tribunal há muito. Jem tem que lidar com a pressão de uma vida dupla, trabalhar na sua caridade para raparigas órfãs enquanto tenta triunfar com a sua banda.
Capa de Jem and the Holograms #11 |
Obviamente, como era uma série sobre
bandas de música, todos os episódios tinham um ou dois temas musicais cantados
pelas bandas – que eram infelizmente muito fraquinhos (se procurarem no youtube
de certeza que encontram exemplos). As Misfits não só tinham mais personalidade
como melhor musica (afastando-se do muito mais delicodoce tom pop da Jem, e
tendo alguns travos de rock e até punk). É ligeiramente revelador da era que a
banda que prefere rock, usa cores mais fortes (e evita o rosa), e apregoa nas suas
músicas coisas com independência, não querer ficar em casa e ser uma “boa
esposa”, ter mais que fazer que andar atrás de rapazes, etc. seja a banda das
vilãs. Ironicamente, era também a banda mais competente, e com melhor música.
Jem
and the Holograms: Showtime
Depois desta ridiculamente longa
introdução, passemos à graphic novel em si. Jem
and the Holograms: Showtime compila os primeiros 6 fascículos da BD Jem and the Holograms. A história
mantem-se muito próxima da série, o que se resume, simplesmente, a:
Pois. É a história de um bando de miúdas a baterem-se por fama, bandas a quererem
ser conhecidas, andarem à lapada, sabotarem-se e vencerem concursos de popularidade.
Não posso criticar muito porque claramente a autora estava a tentar escrever
para os fãs, que, convenhamos, bem merecem, enquanto atualizando a série para
um novo milénio. Nunca poderia ser muito diferente. No entanto, consegue fazer
algo que a série nunca conseguiu: tornar as personagens interessantes. Ao
dar-lhes personalidades distintas e complexas (e explicar a necessidade da
Jerrica usar a Jem devido à sua timidez patológica, em vez de só “porque sim”)
o livro deixa de ser só uma fantasia para meninas que querem ser a próxima
Madonna, e torna-se uma história sobre quatro irmãs, e os seus problemas
pessoais e relações.
Não é o melhor plot do mundo, mas não é por isso que
estamos a ler. Estamos a ler porque as pessoas são interessantes, e porque nos
importa que consigam ser felizes. Não vou cometer o erro de dizer “ai, quem
gosta de Deadpool ou super-heróis não vai gostar” porque, francamente, eu gosto
de ambos e gostei disto também. É diferente, mas um bom diferente.
Quem
vê corpos não vê corações
Normalmente, deixo o comentário sobre a
arte em jeito de fecho, visto que muito raramente compro BD pela arte, e
foco-me muito mais na história, mas tive que dar especial destaque à arte desta
graphic novel. A Sophie Campbell tem um estilo muito próprio, que pode ser um
gosto adquirido, mas eu adoro-a. E adoro sobretudo a tendência dela desenhar
vários tipos de corpos, não se focando só nos corpos “Barbie” que todas as
protagonistas tinham na série.
Redesign das The Misfits |
Os redesigns dela são adoráveis, e incluem
várias raças e variados tipos corporais, e até uma rapariga que tem um nariz
proeminente\não é atraente de forma convencional, mas continua a ser bonita. E
gosto muito de como ela conseguiu atualizar os looks de toda a gente, para fora
do inferno dos anos 80 a que estavam condenados.
Se vos mostrei o Loki Unicórnio claro que vos ia mostrar as "lesbianas". Toma lá, Diácono Remédios! |
E agora temos que falar do elefante
lésbico na sala. Sim, uma das personagens principais gosta de meninas, e o
storyarc dela baseia-se fortemente no romance complicado que tem com uma das
Misfits. Não há tentativas de esconder isto, ou fingir que é só “amizade”, por
isso se lesbiatrónicas vos fazem espécie, evitem esta série ou vão ter um
chilique.
Para além disso, a artista conseguiu
resolver (parcialmente) um dos grandes problemas que é transferir desenhos
animados com som (e música) para o meio estático que é a BD: a representação
gráfica da música e até estilo de cada banda funciona muito bem (dentro dos
limites, claro), dando a entender a personalidade e individualidade de cada. Não é tão bom como ouvir a música, claro, mas é o melhor possível (e vejamos, a
música da série não era extraordinária, logo não se perdeu muito).
Tocatta
e Fuga
Por fim, a quem recomendo esta série? Aos
fãs de Jem, sem dúvida. Às pessoas que gostam de ler “slice of life” e das
relações entre irmãs. Recomendaria também a quem gostava de experimentar ler BD
e tem medo de pegar nos calhamaços de Marvel e super-heróis. É um livro mais
orientado para o público feminino, sem dúvida, mas acho que há por aí muito público
masculino que era bem capaz de apreciar.
Também recomendo como uma excelente
BD para o público-alvo original da série, raparigas dos 10 anos para cima – é um
ótimo ponto de entrada para criar o gosto pela banda desenhada. Ao ser focada
em relações de irmandade e amizade transmite uma boa mensagem, e, ao ser protagonizada, sobretudo, por raparigas,
torna-se algo com que as leitoras mais jovens se identificariam
facilmente.
Se julgaram que o Michael Bay estragou as Tartarugas Ninja... ... ainda não viram mesmo NADA. |
Não havia um filme qualquer?
Não falamos nisso. Nunca falamos nisso.
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