quarta-feira, 21 de outubro de 2015

[Opinião BD] Angela: Asgard's Assassin - Priceless GN




Autores: Kieron Gillen e Margueritte Bennett
Arte: Phil Jimenez e Stephanie Hans
Editora: Marvel
Páginas: 136
Data de Publicação: 18 de Agosto, 2015

(compilação softcover de “Angela: Asgard’s Assassin” #1 a #6)

Capa de Angela GN: Priceless


“All her life, Angela - finest warrior of the Tenth Realm of Heven - was raised to hate Asgard with every fiber of her being. But Angela has learned the truth about her identity: She is Thor's sister. She is an Asgardian. Now, cast out of her home, Angela must strike out on her own! But how does she become the guardian of a demonic child? Why do both Asgard and Heven want it so badly? And how does Loki fit in? Pursued by Asgardian warriors, Angela and her charge cross the Realms from Earth to Vanaheim, and even travel to outer space, where her teammates, the Guardians of the Galaxy, lend a hand.”


 
Vou fazer desde já um grande aviso legal à navegação: eu ADORO o Kieron Gillen. Quase todos os comics que ele escreveu estão na minha seção de favoritos (Suburban Glamour, The Wicked + The Divine, Phonogram). 

No entanto, devo acrescentar não me apercebi que o livro era dele até ter comprado uma cópia para mim (originalmente, li-o de empréstimo). 

Logo, estão já avisados: sou grande fangirl do Kieron, e tenho a tendência a açambarcar os livros dele estilo Smaug (só estou à espera de ter uma pilha suficientemente grande para me sentar em cima dela estilo trono).

Capa de Angela/Aria #1
Por outro lado, vou pedir paciência aos incautos leitores porque esta opinião vai conter um bocado mais que só opiniões. A personagem central desta banda desenhada é complexa devido à sua origem, o ter sido criada para outra série de BD por um escritor famoso, e acabar na Marvel como elo de união entre o Thor e os Guardiões da Galáxia. 

Vários apartes vão ser incluídos sobre e nossa protagonista e a guerra de autores e criadores que ela inspirou. Prometo que no futuro vou tentar escolher bandas desenhadas que envolvem personagens menos problemáticas.

E depois deste preâmbulo, chegamos por fim à Angela. 

Criada originalmente pelo homem de sonho da Adeselna, o autor britânico Neil Gaiman, esta personagem teve uma história de publicação particularmente complicada e que envolveu várias batalhas legais, todas partes de um mega-julgamento que durou mais de dez anos.


(Nasceu uma Angela)

Todd MacFarlane, o criador do Spawn, e membro fundador da Image Comics, e numa tentativa de legitimizar a companhia (que foi criada por um bando de populares artistas que, infelizmente, eram tão populares como medíocres no que tocava à escrita), decidiu convidar os melhores e mais respeitados escritores de comics da altura (incluindo o Alan Moore), como escritores convidados no Spawn. 

Para o seu número, Gaiman criou Angela, Dark Ages Spawn e Cogliostro – que rapidamente se tornaram dos personagens mais populares da série – tão populares que foram reutilizados várias vezes (com a Angela a tornar-se o love interest do Spawn).


(Santa Padroeira da 
Porrada de Criar Bicho)

Angela é um anjo, conhecida por ser uma guerreira temível, um temperamento explosivo e gosto pela caça – quanto mais perigosa a presa, melhor. Essa parte não mudou com a vinda para a Marvel, mas recebeu alguns acrescentos: descobre-se que Angela é, na realidade, Aldrif, a filha à muito perdida de Frigga e Odin (sim, o pai de Thor). 

Os anjos, inimigos mortais dos asgardianos, tinham atacado pobre criança, e Odin, em vingança ao pensar que lhe tinham matado a filha, exilou os anjos e o 10º reino inteiro, Heven, para os confins do universo. Mas Aldrif sobreviveu, foi encontrada por um dos anjos que achou que seria a bem que um insulto épico educar a filha do inimigo como uma delas (na Marvel, os anjos tem sexo, sim senhora, e é feminino, mas já lá chegamos). 

Quando Angela descobre a verdade (depois de uma grande história envolvendo os Guardiões da Galáxia e a sua nova BFFBest Friend for Fighting – a Gamorra), acaba por se afastar de ambos os grupos: os anjos, por respeito ao serviço dela, não a vão perseguir, mas não a aceitam mais como uma delas; e Angela não gosta particularmente dos asgardianos, sobretudo depois de se pegar literalmente ao murro com o irmão, Thor. Logo, ela torna-se assim uma espécie de exilada, que não encaixa em parte alguma.

(Angela: Priceless)

 Esta graphic novel coleciona a primeira mini-série da Angela a solo (anteriormente, ela tinha aparecido nos Guardiões da Galáxia e com a malta de Asgard), “Angela: Asgard’s Assassin” fascículos de 1 a 6. "Asgard's Assassin" segue a nossa protagonista depois dos acontecimentos de “Original Sin” (onde Odin revela as verdadeiras origens de Angela). 

Apesar "Angela: Asgard's Assassin - Priceless" ser uma história completamente independente (não é preciso ler as séries anteriores em que ela participou para se ficar a conhecer o mundo ou a sua origem) e com princípio, meio e fim, o livro termina com uma dramática revelação, que, obviamente, terá de ter uma continuação.

Essa continuação já foi vai ocorrer numa nova mini-série – “Angela: Queen of Hel”. O primeiro fascículo vai sair agora a 27 de Outubro e, em "Queen of Hel", Angela vai ao inferno partir a loiça toda, por razões relacionadas com o final desta primeira graphic novel, e que vou tentar não revelar porque…


E por falar em spoilers, aviso desde já que tenham cuidado a ler quaisquer sinopses da nova mini-série antes de lerem o "Priceless" porque contém um spoiler absolutamente brutal.

Passando, então à opinião: a história abre com a apresentação da nossa protagonista e a sua melhor amiga, Sera, um anjo que lhe continua leal, apesar de Angela ter sido exilada. As duas encontram-se para levar a cabo uma missão completamente tresloucada: escapar ao Thor e às hostes de Asgard, com a filha recém-nascida de Odin (que ela tinha acabado de raptar) a reboque.

O resto da história centra-se nesta demanda: desde cedo é insinuado que algo de mau está dentro da criança (a arte é bastante óbvia) e que Angela é a única que se apercebeu que algo tem que ser feito para impedir que as coisas piorem quando a rapariga crescer e se tornar herdeira de Asgard. Claro que isso pode implicar consequências bastantes desagradáveis para a pobre bébé, por isso as duas heroínas dedicam-se a tentar encontrar uma solução que não envolva infanticídio, enquanto evadem os seus perseguidores, que, a partir de certa altura, incluem Hel, a rainha do inferno. Aliados e inimigos juntam-se à festa (e temos participação dos Guardiões da Galáxia, *coff#IAmGrootcoff*), e a história culmina numa batalha épica campal, com anjos e asgardianos metidos ao barulho.

Tenho algumas dificuldades em arranjar maneira de falar mais da história sem causar grandes spoilers, o que, neste caso, seria uma pena, porque vale bem a pena. Tem surpresas e plot twists a rodos, e a narrativa central (que poderia ser acusada de ser demasiado simples, afinal é só uma história de perseguição) torna-se incrivelmente interessante e complexa com o passar do tempo. Conforme vamos tendo vislumbres do passado, as motivações, personalidades e passados das personagens vão, lentamente, enriquecendo a trama – até ao culminar no final que dá o proverbial pontapé mesmo em cheio nos sentimentos do leitor (não, ninguém morre. É bem pior).

A temática dá muito enfâse às dívidas que criamos (e pagá-las) e o preço das coisas – neste mundo, os anjos (um pouco como os demónios em geral) aceitam em fazer coisas apenas por um preço – preço esse que tem que ser sempre cobrado. Note-se que isto não é um livro sobre capitalismo – dinheiro não entra na equação – mas coisas muito mais valiosas, sim. Angela ainda pensa como um anjo, e toda a sua motivação para este livro está equilibrada nesse particular aspeto da sua personalidade. Não posso explicar mais sem revelar uma reviravolta muito interessante, mas garanto-vos que vale bem a pena ler, porque este simples ponto dá mais caracter e personalidade à Angela que todos os números do Spawn em que ela aparece.

Quando não está ocupado a tentar conquistar
o mundo, Loki até é um irmão adorável.

Dois anjos a jogarem poker contra um guaxinim e uma árvore.
Isto dava um filme.
Agora tenho que tirar um momento para falar da minha personagem preferida: Sera. A partir do momento em que ela aparece, cria-se uma sensação de “buddy comedy” que gostei muito, entre a sizuda Angela e a muito mais engraçada e divertida Sera – que, para minha surpresa, descobri que refletia perfeitamente a relação entre Thor e o seu malandro irmão, Loki. Sera, sendo um anjo, é uma guerreira também, mas é, sobretudo uma feiticeira, perita em ludibriar e em ilusões, com um sentido de humor e de ironia perfeito. Ela é um oposto e um reflexo de Loki da mesma forma que Angela, a mais forte fisicamente, é um reflexo de Thor – o que torna os diálogos extremamente divertidos (sobretudo a parte onde Sera e Angela estão à mesa a jogar poker com os Guardiões da Galáxia). 

Fiquei também muito agradavelmente surpreendida com a falta de ondas que causou o facto que uma personagem que é transexual recebeu um papel central numa história publicada por uma das “grandes” companhias. 

E perguntam vocês, como é que raio é que anjos podem ser transexuais?  Bem, neste mundo, os anjos são uma raça estilo os asgardianos (no mundo da Marvel não há referências a ou qualquer indicação que Deus exista, o que parece implicar fortemente que, da mesma forma que os deuses da mitologia nórdica eram aliens, é muito possível que o mythos cristão tenha ido pelo mesmo caminho). E o sexo forte é o sexo feminino. Os anjos masculinos chamam-se Anchorites, e são seres dóceis, delicados e tímidos, mantidos em casa, sempre protegidos pelas anjos (anjas?). O seu papel é estar em silêncio e meditar pelo seguro regresso das anjos quando vão para missões. Sim, tirem um momento para respirar fundo e engolir este conceito. Tentem não se engasgarem com a deliciosa ironia.

Sera, quando ainda era um Anchorite, conheceu a Angela acidentalmente, e ficou tão impressionado com a presença e poder dela, que decidiu que queria ser um anjo também, andar por aí a dar porrada, e não ficar mais em casa em rezas. Oferecendo a sua lealdade e companhia como pagamento, Sera convence Angela a levá-lo com ela, e ajudá-lo a encontrar-se a sua verdadeira forma. À base de magia (ou ciência super-avançada, é difícil distinguir no mundo de Thor), Sera torna-se num anjo fêmea, aprende magia e a lutar e passa a seguir Angela para todo o lado, eventualmente tornando-se a sua melhor amiga.  

Ah, Sera e o seu humor único.
Os escritores conseguem resistir à tentação de tornar a personagem (que para além de transexual, é de cor, e veste, no mínimo, o 42) numa encarnação do politicamente correto, que está ali para dar sermões e nos fazer sentir mal, porque ela é perfeita e nós não somos suficientemente sensíveis. 

Felizmente, nada disso acontece – a Sera é interessante, confiante, terrivelmente engraçada e muito esperta. Essas são as características que a definem, não o seu aspeto ou género ou o facto que nasceu do sexo masculino.

 
Por fim, a arte: Jimenez, o artista principal é bastante decente, ainda que faça demasiadas linhas nas caras das pessoas, e seja incapaz de desenhar uma mulher mais velha sem ela parecer octogenária (ver comentário sobre linhas a mais) – nem quero falar de um dos desenhos dele do Loki em que consegue a façanha não só de o fazer parecer ter 70 anos mas também o consegue fazer parecer uma mulher. A arte dele varia entre o “bonzito” e o “Jesus, mas a tua cara foi atropelada?”. Quem merece todos os prémios e mais a bicicleta é a artista convidada, Stephanie Hans, que desenha todos os flashbacks e as capas, incluindo a capa da compilação. Ela bem que merecia ter desenhado tudo, porque garanto-vos que a arte dela bate a do Jimenez aos pontos.

Em suma: se gostam de protagonistas fortes, dos filmes (e dos livros) do Thor, sde personagens com motivações complexas, e de pontapés bem nos sentimentos, “Angela: Priceless” é uma compra obrigatória.


 
Capa de "1602: Witchunter Angela" #1, desenhada por Stephanie Hans

Sem comentários:

Enviar um comentário